06 setembro 2015

Uma história de pelúcia

Eu conheci essa menina, Vanessa, muitos anos atrás em Lugar Nenhum. Ela era doce, educada, bochechas coradas do calor. A primeira vez que nos vimos, ela me abraçou como se nunca fosse me largar, e me abraçou várias vezes ao longo do dia, e aquela noite também, e nas noites seguintes. Havia muitas caixas pelo quarto, aos poucos elas iam sumindo, cada coisa ficava em seu devido lugar.

Um dia ela me contou que não a deixaram ir com seu vestido preferido no primeiro dia de aula da escola nova que coincidentemente era também o dia do seu aniversário, disse que agradeceu por isso depois, porque todos estavam de jeans e ela não queria estar diferente. Mal sabia ela que era mais diferente do que podia imaginar.

Eram tardes dormindo em cima dos livros estudando para as provas, correrias no almoço para chegar a tempo de assistir Floribella, isso quando não acontecia da máquina de lavar vazar e criar um pequeno lago no apartamento. 

Eu estava com ela no sofá quando vimos o clipe de quem logo mais seria sua cantora e série preferidas em todo o mundo, Hannah Montana é coisa de criança, diziam seus amigos, ela não parecia ligar, as músicas a faziam viver outras mil vidas, como os livros mais tarde fariam. Só fui entender o porquê dela querer outras vidas quando uns dias depois, foi dormir chorando, me abraçando um pouco mais forte que o normal, os pais dela iriam se separar.

O fim de semana começara agitado. Meu pai vem pra casa esse fim de semana, ela disse, vamos fazer como sempre, passar no mercado para comprar batata de potinho depois de pegá-lo no aeroporto e nos reunir no jantar. O pai dela vinha a cada quinze dias, às vezes mais, às vezes menos, por causa do trabalho longe. Recebeu a notícia no jantar.

Uma pequena menina, tão crescida, não porque tinha deixado de assistir Hannah Montana, ou de dormir com seu urso de pelúcia, mas porque ela estava chorando. Chorava porque entendia a situação, sabia que seus pais já vinham brigando, queria que fossem felizes para que ela pudesse ser feliz também. Chorava porque não queria perder aquilo que conhecia, situações novas são assustadoras quando se tem 12 anos.

Ela nunca parou de chorar, nem mesmo quando me abraçou a última vez, eu tinha feito tudo o que podia por ela, iria fazer outra criança feliz. A música agora seria o que embalaria as noites de sono dela, quando os trovões soarem, quando se apaixonar pela primeira vez, quando tiver seu coração partido várias e várias vezes pelas pessoas que mais ama. Aos poucos criaria um gosto musical definido, ou quem sabe gostaria de tudo que ouvisse. É inevitável que uma parte dela seja sempre uma pequena princesa Disney que sonhava com o amor verdadeiro e viu esse sonho se desfazendo em frente a ela. Eu a protegia, Hannah Montana a protegia, a música a protegia, dentro de sua própria bolha, construiu uma muralha.

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